quarta-feira, maio 28, 2008

UMA GLÓRIA MAIS AGRESTE III





Cartaz CAB - Autor: António Neves, atleta do CAB/Terra LIvre

Passado mais de um mês da realização do Serra da Freita Outdoor Challenge torna-se difícil sem que se cometa alguma imprecisão completar o relato desta aventura. As emoções conforme a intensidade como são vividas, facilmente perduram na memória, já o mesmo não se pode dizer dos pequenos detalhes, esses... "apagam-se" mais rapidamente. Vou tentar portanto ser o menos "impreciso" possível e ainda esforçar-me para fielmente transmitir aos que aqui vêm, todo o prazer que as corridas de aventura proporcionam aos que gostam de desafios e natureza, eu incluído, claro!
Fiquei-me pelo final de uma das pedestres mais duras até agora realizada numa etapa da Taça de Portugal das CA. Opinião partilhada por muitos para quem esta etapa havia sido das mais difíceis mas simultaneamente das mais belas que haviam feito. Seguia-se a derradeira etapa do dia, um BTT nocturno para 3h30 de tempo limite, 12cps, 45km distância máxima e 1700mts de desnível acumulado, empeno garantido portanto...
Quando se chega à noite depois de mais de 17hrs em prova o corpo diminuiu significativamente a sua reacção, precisa de descanso e sobretudo de "combustível". Para o primeiro nada a fazer, há que continuar, há que reagir e aí entra o papel da mente ( mente forte, corpo forte). O pior é que esta fazendo parte do sistema, está com o mesmo problema e debita mensagens ambíguas do tipo : " tens de continuar, estamos a fazer uma boa prova e podemos ganhar" e por outro lado "fica mais um bocadinho aqui no quentinho do parque de transição embrulhado nesta manta e passa pelas brasas que o céu pode esperar". Resolver isto não é nada fácil sobretudo quando se faz parte de uma equipa competitiva, se tem horror ao frio ( e neste momento da prova fazia muito) e se está com um prato delicioso de massa feito pela Ângela nas mãos. Oiço a voz grave e as palavras "bora, despacha-te!" e tardo a reagir à impaciência do nosso capitão( o tipo mais competitivo que conheço à face da terra e parte significativa do nosso sucesso como equipa). Calçar de novo os sapatos de ciclismo ainda molhados da etapa anterior é uma espécie de tortura, ainda por cima debaixo de chuva e temperatura que andará pouco acima do positivo num planalto a 1400mts de altitude. Mas, nada a fazer tinha mesmo de partir, estava a ficar atrasado.
As etapas nocturnas como disse são as mais difíceis pois é necessário um esforço de concentração elevado pelas razões evocadas mas também pela pouca visibilidade que constitui um obstáculo à navegação e um perigo quando se tem de rolar ( muitas vezes a abrir) em trilhos mais técnicos. Sabendo destas variáveis definiu-se a estratégia para a etapa que passava no imediato por fazer um CP duplo numa aldeia ( desculpem mas agora não recordo o nome) que ficava num daqueles habituais e fundos vales da Freita, ou seja, foram 7km a descer e os mesmos a subir numa inclinação próxima dos 10%. A Esmeralda lembrou-se aí de beber o café, parte também da estratégia, mas de vencer o cansaço. Um furo, algum desespero por não se ter feito melhores opções na etapa, um mutismo reinante na equipa e um facto quase surreal ao entrarmos numa aldeia à noite debaixo de uma copiosa chuva com os frontais a iluminarem dezenas de olhos brilhantes que depressa soubemos ser de cabras que tinham descido a montanha para se abrigarem no referido local, foram as marcas da etapa. Mas voltando às cabras, estas encontravam-se "penduradas" em tudo o que era pedra, muro ou soleira de porta. Um "quadro" como disse que parecia ultrapassar a realidade, completado por uma habitante que no meio da noite de janela aberta e constatando a nossa "desorientação" nas ruelas labirínticas e a dificuldade de encontrar o CP, se ofereceu gentilmente para " se quiserem eu digo-vos aonde está", isto debaixo de quase um dilúvio. Não foi preciso, a boa senhora não se mexeu, as cabras também não e nós lá encontramos o ponto e seguimos caminho rumo ao final da etapa. Posso dizer que adorei esta espécie de "interlúdio" aventureiro e desejei ter uma câmara de filmar para aí me iniciar nas artes cinéfilas, certamente fazendo algo quase "feliniano".
Fim da etapa e a constatação que afinal não nos tinha corrido nada mal. Um engano no retorno de carro ( desculpa Esmeralda). Seria necessário dormir, pôr a cabeça em ordem que pendia entre pensamentos que tinham ficado em casa e aqueles que experimentava durante a prova e tratar da forte inflamação nas vias respiratórias que me afectava há já alguns dias eram as prioridades. Um novo dia nasceria, mais três etapas por fazer e a manutenção da classificação cimeira que mantínhamos desde a 2ª etapa do dia era o desafio que se seguia, isto além de continuarmos a desfrutar de uma das mais belas, agrestes e únicas paisagens deste Portugal que muitos chamam profundo e eu "imaculado das muitas nódoas da sociedade pós industrial ( apesar de se notarem aqui e ali algumas)". ( continua).
e

Sem comentários:

À VOLTA DO SANTIS ( PARTE I)

Como o planeado saí de Konstanz para passar uns dias com um amigo nos arredores do cantão suiço de Sankt Gallen. Não tinha...