quinta-feira, outubro 14, 2010

UTMB -Partida, cancelamento e esperança.

Rostos Felizes.

Recebi hoje um mail da organização a dizer-me que em virtude da prova ter sido cancelada e de não ter estado no recomeço no dia seguinte iria receber uma "compensação financeira". Porreiro pá, sempre dá para atenuar o défice cá em casa ( sim, também estamos em recessão).
Pois é, depois de ler a mensagem apeteceu-me voltar aqui ao "Trilhos" e dar por concluída a " Odisseia UTMB 2010". Para os que ainda tem a pachorra de vir até este "espaço" vou procurar ser breve para que a leitura não canse.
Chamonix é um paraíso para aventureiros de diferentes modalidades. O espaço envolvente (a montanha), a forma como estão organizadas as actividades com boas informações e meios de transporte para todo o lado ( até para próximo dos 3000mts) e a "logística" que se encontra na cidade permite a qualquer um, seja caminheiro, alpinista, ciclista, corredor de montanha ou o que for ( há para ai muita "multidisciplinaridade" nos dias que correm) passar uns dias inesquecíveis. A propósito desta última, a logística, digo-vos que Chamonix é um paraíso para quem procure material técnico associado às actividades em natureza, algum ao alcance de um "português teso", como eu. O dinheiro disponível deu-me pois para algumas coisas úteis mas faltou-me uma que se revelou essencial, um bom casaco para trail mountain, ou seja, qualquer coisa impermeável, leve e funcional, mas já lá vou.
A meteorologia do dia de partida não era a mesma que a dos dias anteriores. O sol que antes brilhava no cume do Monte Branco, dera lugar a uma chuva que de miúda passou a grossa já no decurso da prova. Recuando, quero referir que a partida é dos momentos mais emocionantes do UTMB, certamente que muitos já o devem ter visto no Youtube, mas uma coisa é estar em casa, outra coisa é ao vivo, é como ir ao concerto da "nossa banda favorita" ou ao jogo do "clube do coração", emocionante!
Bem... e lá fui eu numa massa enorme de gentes de toda a parte que se propunham a fazer uma das mais famosas corridas do planeta. Nos primeiros quilómetros não queria acreditar que estava ali, a situação parecia-me surreal, mas pouco a pouco lá fui "acreditando", estava a concretizar um dos sonhos da minha vida enquanto atleta, pena era que não tinha treinado para tamanho empreendimento.
Os primeiros sete quilómetros até "Les Houches" eram praticamente planos e alternavam entre trilhos de bosque e alcatrão. Apesar da chuva que ia caindo, o ambiente era fantasticamente festivo ( inesquecível o apoio em toda a prova). Muitos dos atletas vestiam já os seus "corta vento", eu pensava que se o vestisse logo nos primeiros quilómetros ia ficar demasiado suado e por isso preferi ir à chuva. 
Veio o anoitecer, veio o 1º cume de 1800mts o "Le Charm" . Vesti o casaco sensivelmente próximo do cume, já fazia frio e ainda chovia. A qualidade deste ( o casaco) era "miserável", depressa comecei a sentir que estava mais molhado por dentro do que por fora o que aumentava o desconforto.
Descer, descer, descer... as descidas quando enlameadas e inclinadas são muito piores que as subidas e as dores nos músculos também. O meu pensamento procurava focar os motivos que me fizeram partir, chegar até próximo dos 100km vencendo mais dois "picos" de 2400mts, depois logo se via, mas era quase certo que "morreria" nos "cut off", não estava em "good shape" como diziam os "camones".
Pelo ambiente de festa e pelas luzes sabia que me estava a aproximar da povoação de St- Gervais ao 21km. Quando cruzei o pórtico deste CP alguns corredores disseram-me que a prova tinha acabado. "Porquê" perguntei, por "questões de segurança". Soube mais tarde que nos cumes nevara, e que além da chuva que destruíra parte dos trilhos, também o vento era demasiado forte para que existissem condições de segurança para as milhares de pessoas na montanha, ainda por cima de noite. As organizações depois do recente falecimento de alguns atletas em prova por hipotermia e vítimas de quedas passaram a ter "receios" de mais acidentes graves que lhes ponham em causa o patrocínios de grandes marcas e a consequente concretização dos respectivos eventos, bem ou mal visto discutirei isso oportunamente.
De volta a Chamonix, sentia um misto de dever cumprido e desilusão. Dever, porque apesar dos "maus tratos" que dos meses que antecederam a prova, isso não me impediu de ir para a montanha, desilusão, porque afinal tinha pernas para mais uns quilómetros.À minha espera tinha uma cama de campanha e cobertores no enorme pavilhão desportivo da cidade, mais uma vez a organização mostrava que, quando se pensa nas pessoas e nas suas necessidades tudo corre ás mil maravilhas. Tudo, cinco estrelas, e o staff até merecia mais uma!
Ás duas da manhã tocou o meu telemóvel, era um SMS da organização ( foram vários os que recebi com informações acerca da prova) que avisava os atletas para o recomeço da prova em Couermayor no dia seguinte, ou seja, a organização "cortara" pouco mais de 60km de prova e criara condições de segurança para uma nova partida. Olhei para os camaradas que estavam comigo, ambos estavam a dormir, decidi dizer-lhe isso no dia seguinte, ainda iríamos a tempo para "decisões". 
Eles foram e terminaram no dia seguinte, eu não. Na altura achei que não tinha condições para arrancar, sobretudo as do vestuário que estava encharcado. Hoje acho que se estivesse bem preparado e com força anímica, a decisão teria sido outra, ont va, paciência, fica para a próxima com a certeza que voltarei em breve a Chamonix para concluir o que já comecei!

PS - Este texto não foi revisto, se tiver alguns erros ou incongruências, desculpem lá qualquer coisinha ;-)
Espírito UTMB

À VOLTA DO SANTIS ( PARTE I)

Como o planeado saí de Konstanz para passar uns dias com um amigo nos arredores do cantão suiço de Sankt Gallen. Não tinha...