domingo, novembro 25, 2012

Pedalar em Amesterdão III



A hora de ponta em Amesterdão, não são filas intermináveis de ruidosos e poluentes automóveis com condutores irritados, ansiosos por chegar a casa depois de um dia de trabalho e insularizados num habitáculo metálico preenchido pelo ruído do rádio e respirando o ambiente artificial do ar condicionado. A “rush hour” da capital do país das túlipas são antes bicicletas e mais bicicletas faça sol, chuva, ou os habituais nevoeiros e frio. São milhares de pessoas numa compacta massa de duas rodas deslocando-se num movimento rápido, contínuo e quase silencioso. É um aparente caos que emerge das muitas ciclovias, mas com regras que a maioria respeita e que para quem vem de fora por vezes não percebe. São mulheres e homens elegantemente vestidos, acabados de sair dos seus escritórios a caminho de casa, sobretudo elas com um charme que nunca vi a norte. São mães com dois, por vezes três filhos, num caixote próprio de madeira à frente da bicicleta, no quadro ou num atrelado, outras com a prole que as segue também em duas rodas, muitos não terão mais de quatro, cinco anos. São estudantes, músicos com contrabaixos às costas, funcionários a fazer entrega de compras, imigrantes e turistas adaptados a esta mobilidade, namorados de mão dada sobre rodas, são pessoas de todas as idades, ocupações e condições nos seus afazeres quotidianos, de bicicleta, sobre ar que se respira frio mas pouco poluído.
Eu que venho de um país onde gastamos tanto dinheiro a adaptar as cidades aos carros, esquecendo que a cidade são as pessoas e as suas necessárias sociabilidades. Eu que vivo numa cidade em que os custos da poluição automóvel, dos acidentes, da segurança são enormes, fiquei claro, facilmente impressionado com esta vivência urbana (nota-se). Além disso Amesterdão é uma cidade com bonitos edifícios antigos na sua maioria recuperados, outros novos mas de arquitectura arrojada, museus que vão da arte ao do sexo, mercados de rua, pontes e claro, água, muita água por onde desfilam constantemente barcos, nadam cisnes e outras espécies de aves, mas também se habita nas famosas “casas barco”, com os seus bonitos jardins “flutuantes” e claro espaço para as bicicletas de toda a família.
A profusão de modelos de bicicletas é outra das coisas que chamou a minha atenção. Há as para todos os gostos e funções, desde de carga até transporte de crianças. Outra coisa é o numero bicicletas, são tantas por toda a cidade que por vezes é difícil encontrar lugar para estaciona-las. Os espaços onde podemos por o cadeado, escasseiam e é usual vê-las fechadas no chão aos pares, presas aos sítios mais insólitos. Há também enormes parques de estacionamento, de vários andares, com milhares de bicicletas como o que vi junto da principal estação de Amesterdão, imagine-se a dimensão e o custo da infraestrutura se esta fosse para carros. Custou-me vê-las em destroços depois da dragagem dos canais, ver tantos modelos clássicos tornados “lixo”, deu-me vontade de ser o dono do ferro-velho.
Em Amesterdão pedala-se noite dentro. Por exemplo às duas da manhã ainda há “trânsito” intenso, sobretudo na parte baixa da cidade onde se situam as atracções turísticas como no redlight district, local dos cafés animados da cidade, dos “turísticos” coffeeshops onde de fuma marijuana e haxixe “à la carte” e também ver as famosas “montras” com "profissionais do sexo", muitas delas parecidas com os modelos da “victoria secret”, mas numa versão mais “easy to go”.
Outra das coisas que pude percorrer a pedal foram os muitos mercados de ar livre onde se vendia de tudo como na nossa “feira da ladra” mas sobretudo bicicletas em 2ª mão a bom preço que se pudesse trazia para Portugal, não fossem os custos de “exportação”.
Nos dois dias que tive em Amesterdão, apesar de estar muitas vezes na eminência de provocar acidentes por falta de hábito de pedalar em ciclovias tão congestionadas, eles não aconteceram felizmente, uns despistes, um deles contra um poste, até atinar com o sistema de travagem nos pedais, de resto, nem os vi. O que vi foi uma cidade histórica, agitada, mas de ambiente tranquilo, cosmopolita e tolerante e todas estas coisas com a bicicleta pelo meio. Deixo um conselho, não se detalhem muito quando forem, apenas o essencial, peguem num mapa que conseguem gratuitamente nos muitos locais de alojamento e descubram sem medo, apesar da cidade ser grande, não há perigo de se perderem apesar de tudo ser muito parecido. A parte baixa da cidade, entre a Dam Square e o Red Light é a mais antiga e turística, para mim não foi a mais bonita. Um dos momentos, entre muitos, que retenho como o prazer de me sentir livre a passear de bicicleta, foi no Vondelpark durante uma noite gelada mas com muitas pessoas a fazer desporto e a passear, sobretudo crianças com lindos balões chineses.
Depois de Amesterdão, o próximo será como conheci Berlim a pedalar por um dia. Até breve.

quinta-feira, novembro 22, 2012

Pedalar em Amesterdão II

Antes de chegarmos a Amesterdão, já vamos com a  ideia que a cidade é "cycling friendly". Para quem gosta de bicicletas é uma boa notícia, pois além de podermos conhecer a "cidade a pedalar", observamos o que é uma "cidade a pedais". Confesso que é bonito de se ver, a primazia das duas rodas face às quatro e nestas últimas, mais eléctricos e autocarros. Na inevitável comparação que fazemos com o que é nosso, sobretudo o que se passa na cidade, Lisboa, muito timidamente, lá vai tentando chegar aos calcanhares de uma cidade com esta mobilidade sustentável, mas faltam-lhe as infraestruturas, os meios, a vontade política e a sua necessária participação cívica, mas sobretudo falta a consciência para uma profunda mudança de mentalidades, a tal que devolva a cidade às pessoas sem esquecer a sua mobilidade, preserve o ambiente e o património.
Em Amesterdão pude observar o que é viver numa cidade em que, as ciclovias, os espaços pedonais, os enormes parques, traduzem parte da qualidade de vida dos seus habitantes. O resto, são muitos teatros, museus, canais de água limpa onde se passeia de barco, feiras ao ar livre, cafés, cosmopolitismo e tolerância, alguma a pagar impostos.
A minha estadia em Amesterdão, foram dois dias e meio a pedalar de manhã até noite dentro e muito mais.
Arrumadas as bagagens no alojamento a minha primeira preocupação foi alugar uma bicicleta. Já trazia algumas informações de Portugal, sobretudo preços e modelos, mas uma vez na cidade percebi que a oferta é muita e por isso vale a pena procurar. Acabei por alugar por 7,5€ - 24hrs uma "citadina" na  Green Bikes, que não sendo como as bonitas "dutch bike" ( já meti na cabeça que tenho de trazer uma para cá quando tiver mais espaço), foi uma "grande máquina" que me levou a todos os cantos da cidade, isto apesar de ter um sistema de travagem nos pedais que para mim foi uma novidade e provocou alguns "despistes" de inicio. Nada que um "sorry" não resolvesse junto dos apressados, diria, quase suicidas ciclistas urbanos ( continua).


quarta-feira, novembro 07, 2012

Pedalar em Lisboa com os olhos em Amesterdão

A recuperar da entorse, já consegui ontem, pela primeira vez em 10 dias, treinar qualquer coisa. Uma natação ligeira e exercícios de reforço muscular de manhã e uma volta de bicicleta em Lisboa de tarde, puseram-me bem disposto para o resto da semana e deram-me alento para vir hoje e espero que amanhã ,para o trabalho também a pedalar. Regresso assim à normalidade depois de várias tentativas com sucessivas lesões ( antes da entorse, um problema muscular, antes desse uma cirurgia de urgência, and so on, and so on... com pouca vontade à mistura é certo).
Ainda a propósito de pedalar em Lisboa, a cidade tem cada vez mais ciclistas, o que a torna mais alegre e "primeiro mundista". Assim os lisboetas já se  parecem com os habitantes de Amesterdão no video em baixo, cidade onde eu também espero pedalar para a semana. Uma coisa é certa, "parecemos, mas não somos", isto de pedalar sem ciclovias, na irregularidade dos paralelos da capital, inesperados buracos e carris escorregadios e largos "tem muito que se lhe diga". A propósito, ontem ali para os lados do Poço dos Negros só não dei um "tralho" memorável depois de enviar a roda num carril porque me tornei um especialista em "equilibrismo". Pudera depois de tantos acidentes, já aprendi qualquer coisa :-) Ainda bem, que isto de estar sempre no "estaleiro" já cansa.


sábado, novembro 03, 2012

ECOVIA DO ALGARVE - PARTE III

Depois de Armação Pêra, tive mais uma vez dificuldade em acertar com a rota da "Ecovia" porque esta aparecia e desaparecia e sempre em estradas com demasiado trânsito. Quem me manda não ter um GPS ou um mapa mais pormenorizado?! Por estes e pelos motivos que tenho vindo contar, fartei-me de "andar às cascas" nesta travessia do Algarve litoral e decidi apontar definitivamente para junto do mar. Desci, primeiro por estrada alcatroada depois por terra batida e dei com esta praia deserta. Achei que isso seria impossível no Algarve, ainda por cima aqui, onde há mais turistas e menos espaço para banhos. A visão do mar, o sossego do final da tarde e o cansaço fez-me ter vontade de dar um mergulho como se fosse um troglodita feliz fundido com a natureza, ou o livre ( acho que me percebem) Adão antes de se preocupar em alimentar o estômago, mas a hora já era tardia e eu tinha de estar em Portimão a horas decentes de apanhar o comboio de volta para Tavira onde iria pernoitar. O problema foi sair dali, pois tive de carregar a bicicleta um bom bocado às costas por um trilho marcado como PR. Cá em cima pude finalmente ir apreciado o conjunto de praias recortadas em rocha, trilhos mais "técnicos" e cheiro a natureza ( aquele cheirinho algarvio único no universo), "finalmente BTT"!

Mais uma praia deserta... Antes de Adão tratar do estômago, conheceu Eva, provavelmente num sítio destes.

A erosão tem os seus caprichos.
A erosão tem aqui os seus caprichos II

Que final de tarde!
Gaivotas em terra nem sempre significam tempestade no mar. Provavelmente fazia o mesmo que eu, contemplava...
Antes de chegar ao Carvoeiro o sol pôs-se para os lados da Serra de Monchique.
Passo pelo Carvoeiro depois por Lagoa e já é de noite. Não tenho luzes, nem vejo grande coisa. Acelero pela berma da N125 na direcção de Portimão, os carros encandeiam-me em sentido contrário, ainda por cima há obras que me obrigam a ter muito cuidado. Sei que a ciclovia passava por Ferragudo e atravessava a ponte antiga de Portimão. Mas tenho de optar por este lado que fica mais próximo da estação. Achei que se chegasse antes das 22hrs teria comboio de regresso, puro engano, quando chego a estação já está fechada, o último passara próximo das 19hrs. Janto numa tasca em frente da estação de comboios, estava morto de fome. Depois, procurei sítio para pernoitar em Portimão, terra onde em 1973 passei pela primeira vez férias no Algarve, desde ai a transformação foi profunda. Não foi difícil encontrar cama, mesmo sem lençóis, nem tomar um banho retemperador sem sabão e toalha. Quanto à roupa, tinha uns calções e uma camisola na mochila que troquei para dar um salto com sapatos de ciclismo à Praia da Rocha onde comprei uns  "confortáveis" chinelos em saldo e bebi mais uma "bejeca" fresquinha ( que grande beberrolas:-).
Adormeci profundamente e acordo de madrugada com o barulho das muitas gaivotas sobre a cidade, são 6hrs. Penso se vale a pena seguir viagem até Sagres correndo o mesmo risco de não chegar a horas de apanhar o comboio de volta para a minha casa em Tavira. Sei que ainda me faltavam aproximadamente 80km até ao Cabo mais a sul da Europa mais o retorno para Lagos, o que feitas as contas seriam para ai uns 120km. Conclui: "tenho tempo, volto ainda esta semana para fazer o resto, agora estou cansado". Não voltei nessa semana, mas voltarei em breve. Apesar do desencanto com a Ecovia do Algarve, o prazer de viajar de bicicleta superou a desilusão de um traçado que não é uma verdadeira mobilidade alternativa, só a espaços.
Apanho o primeiro comboio para Faro onde tomo o pequeno almoço já com o familiar cheiro da eterna Ria Formosa. A cidade de manhã é encantadora!

Estação de Portimão.
Ao chegar a casa, o meu vizinho algarvio oferece-me umas amêijoas que apanhara de manhã na ria. Preparo-as ao jantar com esparguete enquanto abro um tinto alentejano. Ponho depois a mesa no quintal e acendo uma vela para criar ambiente no lusco-fusco algarvio. De barriga cheia as recordações do dia anterior tornavam-se agora mais nítidas e a cabeça enche-se de novos projectos de liberdade.

À VOLTA DO SANTIS ( PARTE I)

Como o planeado saí de Konstanz para passar uns dias com um amigo nos arredores do cantão suiço de Sankt Gallen. Não tinha...