Na Arrábida em 2006 com o dia a começar.
António e Ana, existem linguagens que só nós entendemos! Obrigado pelas vossas palavras.
O dia começa cedo. Há muitas coisas para fazer ao longo deste, será preciso arrumá-las para que não fique a sensação que somos derrotados pelo tempo. Uma delas é treinar para uma prova de 166km. Não se adivinha uma tarefa fácil, mas tenho de a levar a cabo. São 04h20m e já estou acordado, são 05h00 e já estou a treinar, objectivo, um treino pedestre com mais de 4h. Não defino muito o percurso, vou um bocado como gosto de ir, " ao sabor do vento". A zona que tenho para treinar, nas imediações da minha casa, é o espaço descontinuado entre a urbanização selvática e o que felizmente se protegeu desta.
Se escolhêssemos o "rio da nossa vida" eu escolhia o Tejo, todos os meus sentidos estão-lhe associados, faz parte da minha identidade e julgo que já da minha genética. O outro seria o rio da terra do meu pai, o Nabão, do qual guardo memórias felizes da infância.
Vou com duas horas de treino, primeiro junto ao rio, depois Dafundo, Cruz Quebrada e agora aproveitando o perímetro do Estádio Nacional (explorado tem bons trilhos para treinar).Ainda não vejo vivalma, sinto-me um bocado "único", oiço apenas carros, o rumor característico da cidade.
Três horas de treino, cruzo a antiga "Pedreira dos Húngaros", um dos maiores e mais perigosos bairros de lata dos arredores de Lisboa nos anos 80 e 90, agora um descampado prestes a ser "invadido" por condomínios privados da classe média. Irrito-me com os muros, as grades, os sinais de "proibida a passagem". Antes, era recebido a tiro, mas progredia bairro acima, de vez em quando ainda conseguia beber uma cerveja e comer uns torresmos num bar "crioulo", agora não, não arrisco, ainda posso ser atingido por um segurança zeloso em "legítima defesa" pela "invasão da propriedade". Os "muros" culturais e sociais, deram origem... aos mesmos muros culturais e sociais, mas em tons cor-de-rosa.
Próximo das quatro horas de treino e depois de fazer a " Mata de Caselas" ( sobras de Monsanto), bebo um café no Hospital São Francisco Xavier. Reforço a ideia de que nos hospitais não há noites, toda a vida decorre como num longo dia.
Depois um salto à Decatlhon desbravando trilhos cortados por Autoestradas e IC´s e o regresso por Monsanto a casa onde chego com quase cinco horas de um misto de marcha/corrida ( mais da primeira). A perna dói-me, mas os alongamentos, água quente e uma massagem ajudaram a aliviá-la.
Esta semana depois de dois treinos de 2hrs de corrida, este pedestre, um curto de BTT e três de natação, encerrará amanhã com mais um longo de corrida. UTMB allez, allez!