domingo, fevereiro 08, 2015

TRILHOS DOS ABUTRES 2015 (PARTE II)



"Isto contado parece mentira" lembro-me de pensar várias vezes Para alguém que nunca fez os "abutres", há pormenores do percurso e do ambiente que o rodeia que são difíceis de descrever por palavras. Tenho sempre a ideia que quando conto alguém as vivências nesta prova, elas parecerão ao interlocutor inverossímeis. É preciso experimentar, primeiro trail, depois este empeno e assim já estaremos em "sintonia".
Como referi no primeiro post, " sentia-me cheio de pica", mas sei que estou pouco ágil porque salto com dificuldade os ribeiros, as muitas pedras, tropeço várias vezes nas raízes das árvores, ando quando devia correr e quando o faço, percebo que estou lento, pesado, apesar de vivo, a respirar bem e de "cabeça limpa". portanto, nada de ilusões, "carpe diem" Zé! 
O meu maior receio inicial era o de ser atormentado pelas habituais dores de costas. Tão limitadoras neste último mês, tão presentes ainda as que aqui senti no ano passado. Em 2014 quando cheguei ao "Centro de BTT" já estava "partido em dois". Coloquei ai uma cinta que me deu algum alívio, mas a "emenda foi pior que o soneto", a contracção dos músculos abdominais, causou-me outro tipo de dores, ainda mais fortes, foi um castigo até ao Gondramaz ( e o Penedo dos Corvos é tão bonito que qualquer um que por ali passe deve dar graças ao facto de estar vivinho da silva e estar ali).
Duas horas depois nada de maleitas. Tenho apenas calor, deve ser a fornalha dos músculos alimentados com muito tecido adiposo que libertam energia em excesso. Vejo malta muito agasalhada, com medo da chuva e do frio. Imagino que por dentro podem estar molhados de suor. Lembrei-me que no UTMB passei pelo mesmo, tive  receio da chuva e do frio, pois aproximava-me de um "colo" de 1000mts e vesti o impermeável cedo de mais, resultado, passado uns minutos estava mais molhado por dentro do que por fora. Se tivesse que fazer toda a prova naquelas condições e com uma peça de vestuário daquela qualidade ( falta o pilim para um gore-tex como deve ser), iria sofrer, quando subisse acima dos 2000mts, o suor gelar-me-ia.
Nada de stresses por agora. Como pouco no primeiro abastecimento ( uma novidade para um lambão como eu) e não me demoro. Mais à frente cai a primeira saraivada de granizo, forte e a temperatura abruptamente. Visto uma camisola de mangas e o impermeável. Dispo este último quando a chuva para, apesar do ar frio se manter. Vou andando, correndo, saltitando, fixe, fixolas, barril! Não estou enturmado, ultrapasso e sou ultrapassado pelos mesmos protagonistas várias vezes e chego sem dar por isso ao CP2 de Mestrinhas ao Km 17. Ai vejo as primeiras "vítimas" dos Abutres e não são poucas. A maioria está embrulhada em mantas térmicas, treme e acotovelam-se para receber um pouco de calor de uma fogueira acesa pela organização. Ali há um habitual nevoeiro e frio por estarmos quase alto da Lousã. Eu começo a gelar e mais uma vez não demoro muito no abastecimento. Mais à frente, em campo aberto, cai a segunda saraivada de granizo com flocos de neve à mistura. Sei que tenho de aguentar estas condições mais um ou dois quilómetros, a seguir vou mergulhar na floresta e começar a descer. Sim a descer, mas por dentro de cascatas de água gelada. O trilho mesmo assim é lindíssimo ( talvez mais ainda), corre-se ao longo destes cursos de água em torrente como se não estivéssemos numa prova de corrida, antes canyoning. Atravesso um ribeiro principal vezes sem conta através de toscas pontes de madeira. Muitas tão toscas e enlameadas que atiram atletas para um inesperado banho gelado. O trilho aqui é mais difícil do que os que já tinha até então percorrido, são muitas as quedas que vejo e eu, não destoou, vou também ao "tapete e ao "charco". É preciso ter cuidado, as arestas de xisto que pontilham os trilhos, devem fazer um trabalho tão bem feito, como fizeram os machados de silex por ali há milhares de anos. Sinto-me outra vez o tal "troglodita", mas  entretanto perdi o Mamute, este  migrou para norte para a tundra siberiana, agora persigo serra a baixo uma corsa rápida, tenho de ser ágil e manter-me inteiro, já não sou um Neanderthal rude e desajeitado atrás de grandes presas, sou um sapiens cheio de tecnologia rumo à diáspora no universo. Por fim desço por uma longa corda e reparo que na estrada está muita gente. "Que raio?!" Inicialmente pensei: "a organização decidiu interromper a prova". Afinal não, a organização aplicou antes o regulamento que dizia que quem chegasse ao CP 3 na Srª da Piedade no km 29, acima das 5h30 seria "barrado". Eu chegara ali com 6h10, 40 minutos depois do "fecho". Nada a fazer, apesar de contrariado aceitei a decisão. Compreendendo que a organização ao adiar duas horas a hora da partida este ano, não quis arriscar naquelas condições ter muitos atletas de noite na serra. Apesar do equipamento obrigatório exigir frontal, manta, saco de água, impermeável, apito e telemóvel, o que se seguia era muito duro e de noite, para malta com menos experiência, tornar-se-ia perigoso. Felizmente não temos notícias de mortes em provas de trail portuguesas, mas elas podem acontecer nestas condições. Que o digam os franceses.
No "corte" encontrei muita gente que não esperava encontrar. Malta que há uns anos me dava um "grande bigode", sobretudo na estrada, altura em que eu também era atleta com seis letrinhas apenas. As 5h30 de tempo limite para os 29km tinham sido afinal "apertadas" para muitos "prós". A prova disso é que dos mais de 500 atletas na partida, apenas 320 chegaram à meta. Eu estava conformado, nas condições em que tinha alinhado à partida, chegar aos 30km com a sensação que mesmo que demorasse 12h fazia aquilo com um "briolhozinho nos olhos", foi uma pequena vitória. Lembro-me de ter sugerido a um camarada durante a nossa viagem para Miranda do Corvo que esta prova devia exigir "pré-requisitos" ( isto porque ele dizia-me que sabia de pessoas que iam fazer estes 50km sem terem feito nenhum trail), entre estes ( requisitos), que o atleta tivesse pelo menos duas provas acima dos 30km nos últimos 6 meses. A organização assim não correria tantos riscos, nem produziria tantos insatisfeitos como vi no final. Apesar de algumas falhas, todo o staff organizativo dos Abutres não merece desfeitas, continuam como há 5 anos atrás, simpáticos, voluntariosos e na generalidade, eficientes, continuam de parabéns!
Fui finisher duas vezes nos abutres, desta vez, não o sendo, tive como prémio a vontade de voltar já para o ano. Até 2016! Abraços aos  que tiveram a coragem de se atirarem para este extraordinário desafio.

sexta-feira, fevereiro 06, 2015

TRILHOS DOS ABUTRES 2015 (PARTE I)


Ir a Miranda do Corvo em Janeiro tem tanto significado para mim, como para a maioria dos crentes que vão a Fátima em Maio. Os "Trilhos do Abutres" são a minha peregrinação anual preferida, primeiro porque a Lousã é um santuário imperdível para quem goste de natureza serrana, segundo porque a organização sabe receber os "devotos" ao Trail e terceiro porque durante 50km redimo todos os meus "pecados", sobretudo os que me impedem sempre de em Janeiro estar em condições físicas aceitáveis para superar um dos percursos mais desafiantes das corridas em natureza portuguesas. É o trail, senhores, é o puro e duro trail!
Este ano a condição que refiro não estava melhor que nos anos anteriores e se nas edições de 2011 e 2013, tinha algum treino, mesmo que miserável e uma ou outra prova de "pré-época", este ano, nicles, rien, nada!
Sentimentos de culpa e receios de insucesso postos de lado ( não ajudam em nada), atirei-me para o empeno, como uma fera esfomeada se atira a um osso mas podendo engasgar-se com ele. Ainda tive um momento de "pieguice" quando há 15 dias, percebendo no que me estava a meter ( pela terceira vez), tentei vender a inscrição. Felizmente a organização não permitia mudanças de última hora o mesmo que dizer, "vem até cá que nós tratamos-te do pêlo". Eu, caí em mim e com esta mentalidade de soldado, mas já cheio de caruncho, respondi-lhes também em surdina: " o pêlo e a barba, pode ser?!".
Fui para Miranda do Corvo na noite anterior à prova para não ter de me levantar às 3 da matina em Lisboa. Com direito a companhia "fraterna" na boleia e a "cunha" de um amigo para dormir num "sítio decente". Livrei-me dos "solos duros" onde já tive muitas noites de insónia, porque entre ressonares, peidos e malta excitada com a "véspera do acontecimento", que entra e sai, conversa a noite toda e acorda com as galinhas, eu vejo um filme surrealista do Fellini na minha cabeça e desejo, em vez de uma boa dose de proteína, antes um revigorante "xanax".
Ambiente festivo à partida onde (re) conheço uns quantos "cromos" ( a maioria pessoas que admiro e com quem tenho (re) encontros saudosos e de manifesta amizade) e muita malta "nova" nestas andanças ( talvez, por andarem nisto há dois trés anos olhem para mim da mesma forma, como uma "novidade").Malta equipadinha a rigor, "vestida para matar" ( ou ser morto pelo que fui vendo lá para Mestrinhas quando o frio apertou), muitas meninas com carinhas larocas ( no meu tempo não era assim, caramba como me sinto velho) e, pelo que percebo durante a prova, espírito bastante combativo. Aliás, durante o percurso pude comprovar isso, tentei ajudar mais do que uma vez e ouvi um, "eu subo sozinha", caí num buraco e foi uma menina que me tirou de lá, doutra forma bem podia partir as unhas que não saía. Apesar de alguns exageros "afirmativos", confesso que gosto desta atitude ( sempre gostei de ver este lado feminino que contrasta com tanto estereotipo que se faz do género, apesar de muitos deles serem reforçados pelo próprio).
Estava portanto eu na partida que tinha sido adiada duas horas por causa de uma chuva diluviana durante toda a noite. A organização anunciava que os trilhos já de si difíceis, tornaram-se ribeiros e os com declive, verdadeiras cascatas que corriam livres serra a baixo. A lama que no ano passado cobria  todos os pés, passou agora a ir até meio da canela e em alguns casos até ao joelho. O desafio era portanto maior do que o de anos anteriores, "porreiro pá", estou mesmo prontinho para a "dose", só espero é que não doa muito! 
E lá vou eu para a terceira em cinco edições dos Abutres. Hoje quando vi as fotografias que me tiraram na prova pergunto: "aquele gajo barrigudo, barbudo e meio marreco sou eu?!", bolas, o que a idade faz às pessoas(!) De facto a andropausa não perdoa, parece uma segunda adolescência, um tipo não se priva de nada que conforte o estômago e os sentidos. E o barrigudobarbudomarreco começou a subir a serra como um verdadeiro troglodita atrás de um Mamute ( onde é que eu já vi isto?). Deixo para trás a companhia da viagem a Miranda, sem quebras de solidariedade, cada um está ao seu ritmo, tudo zen. Eu entusiasmo-me, apesar de pesado sinto-me cheio de "pica". Penso que a todo o momento "vou pagar a fatura". No ano passado entre o "Centro de BTT" ( alto da Lousã) e a aldeia do Gondramaz, num dos trilhos mais bonitos de todo o percurso, amaldiçoei o dia em que me tinha inscrito" naquele inferno". Para já "estou no céu", apesar da "lei da gravidade", sobretudo nas subidas me dizer o contrário, é que 92kg de "felicidade" notada, não é propriamente a "singela" maça que caiu na cabeça newton ( espero não estar a dizer nenhuma asneira, mas se o for, a "culpa" é da andropausa) . ( continua)

sexta-feira, janeiro 30, 2015

CONTAGEM DECRESCENTE


A menos de 24 horas da partida. Vou ali arrumar a trouxa.

PS - Nem sei mesmo porque é todos os anos me meto neste empeno sem treinar o que devia. Este ano o objetivo já não é ficar abaixo das 9h, é acabar nas 13h de tempo limite. Se os deuses da Lousã e as minhas costas deixarem, às 22horas de Sábado gostava de estar a comer uma "Chanfana de Cabra" em Miranda do Corvo. A ver vamos... Wish me luck!

TERÇAS À NOITE AO PÉ DE CASA


Os treinos das terça-feiras à noite pelas 20h30 mantêm-se desde há cerca de dois anos. De todas as vezes que apareço por lá, encontro sempre gente nova e meia-dúzia de "incondicionais", os mesmo que vejo ir a tudo e a todas, numa motivação que já tive e agora invejo ( um bocadinho só). Mas passam-se semanas que não "ponho lá os pés", umas vezes por preguiça, a maioria por trabalho e outras, porque correndo de manhã, não me apetece repetir a "dose" à noite e quero ficar no remanso de casa, o PDI pede-o e o inverno tem sido frio. Nestas últimas duas semanas voltei a ser um assíduo das "terças-feiras", por pressão dos Trilhos dos Abutres onde quero chegar ao fim mas também pelas vozes que vão zurzido acerca do meu descuidado sentido estético ( não vejo nada, sobretudo para baixo do nariz). Sinceramente gosto das terças-feiras, o grupo é sempre animado, recupero o meu défice de socialização e acabo por fazer sem dar por isso aproximadamente 16km de treino nos bonitos trilhos de Monsanto. Aqui estão 18 os que se aventuraram nesta noite fria, mas lá mais para a Primavera, com os dias mais amenos, chegam a aparecer 40.

sábado, janeiro 17, 2015

OS FRANCESES SÃO OS MAIORES!

UTMB 2010


É sabida a minha simpatia natural pela França e pelos franceses. Das três vezes que ali estive foram sempre momentos agradáveis que guardo de um país com gente educada e simpática, campos floridos e ordenados e cidades cheias de história e respectivo património, quase sempre bem conservado. Admiro o que vem da França, sobretudo os seus ideais civilizacionais, os valores republicanos, as "escolas" de pensamento filosófico, sociológico, historiográfico, artístico e político e entre muitas outras coisas, os prazeres da mesa, como o pão ( ai, os brioches) queijo e "tinto" ( perdia-me nas três filas que quase todos os supermercados dedicavam aos vinhos, champanhes e outros etílicos de qualidade). 
Apesar deste "kit da felicidade", a maioria dos gauleseses e gaulesas ( elas loirinhas, femininas e muito "coquetes") não tem a barriga de obelixes. São na generalidade magros porque pelo que observei comem com parcimónia e pouco antes de ir para a cama e na sua maioria, fazem desporto ( claro que se fizessem um estágio gastronómico em Portugal, nem o muito desporto os safava de se assemelharem ao célebre personagem de Urdezo).
E para provar esta ultima afirmação, ao fazer uma pesquisa hoje pelo calendário de provas de "Trail Running" europeu vi que só na França existem 2069 organizações deste tipo, muito longe do 2ª lugar da Grã Bretanha com 359 eventos e dos "nuestros hermanos" com 274. Uma curiosidade: Portugal com 66 ultrapassa a Alemanha com 62. Tomem lá, ganhámos!

Não fosse eu ter-me tornado nestes últimos tempos um COFS ( corredor ocasional e de fim-de-semana) e andar sempre a contar os tostões, todos os anos estava batido na Gália para um "retiro espiritual". Claro que os copos de vinho de Bordéus ajudavam a que o momento fosse ainda mais Zen!

Adieu.

2015 - 2016 Europe Trail Race Calendar

REGRESSA AO LUGAR AONDE FOSTE FELIZ

  É bem provável que já não encontre ninguém por aqui, naquilo que há uns anos chamávamos de "blogoesfera". A blogosfera era uma e...