Há coisas na vida que são para cumprir sob pena de perdermos a capacidade de sonhar. O Nelson Picado não quis que isso acontecesse e iniciou há uns meses uma viagem pela a Europa em bicicleta
Durante os muitos anos que o conheço, foi-me dizendo que um dos seus sonhos era esse, o de "conhecer o mundo", se possível de bicicleta. Há poucos fez um dos seus primeiros "ensaios" e percorreu o sul de Portugal e meses mais tarde o norte, completando a sua "volta a Portugal em bicicleta". O Nelson é um entusiasta da bicicleta e de tudo o que se desloca em rodas utilizando a "força motriz humana" ( se assim podemos chamar), anda de patins e ainda constrói os carros de rolamentos que faziam as delicias da nossa juventude endiabrada. Durante anos fizemos em comum parte de uma equipa de triatlo/duatlo, percorremos serras e vales de BTT, descemos rios, competimos em corridas de aventura, cruzamos baías a nadar, entre outras coisas sempre em saudável comunhão. O Nelson é um excelente companheiro, capaz de partilhar o "precioso" queijo caseiro que a avó lhe enviava com mimo do Alentejo e ao mesmo tempo saber aceitar humildemente o que lhe oferecem. Sabe portanto partilhar com simplicidade, sabe conversar e é amigo do seu amigo. Acima de tudo, vive deslumbrado com a vida e as pessoas e trata os animais com o mesmo respeito e espírito fraterno. Acompanhei o seu percurso académico, os seus trabalhos esporádicos, as suas frustrações com a carreira, os amores e as goradas expectativas de desenvolvimento do país em que nascemos. "Desenganos" que sempre se superam pela vontade de seguirmos "em frente", capacidade para descobrir e fazer coisas novas e a experiência acumulada de frequentes saídas da "zona de conforto" adquiridas na sua maioria através das nossas aventuras "outdoor" que referi. Foi com esta "bagagem", alforges e demais apetrechos, como o familiar saco-de-cama que um dia partiu na sua velha bicicleta. Viajou desde então por nove países da Europa, em estradas, ciclovias, caminhos de terra batida. Percorreu florestas, cidades, lagos, mares nunca vistos, viu chover, nevar e teve saudades do "seu" sol português. Sentiu hostilidades, más vontades, mas preferiu destacar antes as muitas solidariedades inesperadas que viveu e que procura cultivar correspondendo. Dormiu nos alpendres de igrejas com vista para os cemitérios de aldeia em Espanha e França, em casas de súbitos amigos do momento ou antes conhecidos na internet, em abrigos de floresta dinamarqueses, nas montanhas norueguesas abrigando-se de uma tempestade de neve, em palheiros germânicos... Fui sabendo dele dizendo-me que a vida fazia agora mais sentido após esta experiência. Chegou há pouco à Noruega, país que ele diz ( e nós sabemos) de rigores climáticos, mas de pessoas que ele diz justas, fraternas, despidas segundo ele de preconceitos próprios da "malta do sul". Novas formas de viver, de relacionar, de organização social e oportunidades de trabalho e talvez por isso tudo teve vontade de ficar por uns tempos. Está feliz mas cheio de saudades do sol quente no Portinho da Arrábida enquadrado pela serra e o seu único mar azul. Pareceu-me bem, pois na balança pesam coisas mais importantes que o deslumbre e a beleza da nossa paisagem "caseira". Ontem em conversa e a propósito desta demanda de muitos portugueses, sobretudo jovens, pelo mundo à procura de melhores condições de vida que o país teima em não oferecer há muitas gerações, falei dele. Não que "caiba" na ideia estereotipada do emigrante, mas no sentido em que para muitos e sobretudo para ele, a coragem de partir é uma atitude exemplo. O que torna o Nelson mais especial foi que antes disso teve a "ousadia" para, sonhar!
segunda-feira, outubro 17, 2011
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2 comentários:
pois...se é pela paisagem, pelo sol e tal... isto é bom é para estar/vir cá de férias.
Eu cá estou e por cá me mantenho. Como tantos a "dizer mal" e sem coragem para partir... :( mas para uma decisão dessas, há "n" factores a ponderar e na minha situação em particular, cá sobrevivo e vivo (o que me deixam e me é possível) e não me vejo melhor a emigrar, significando "melhor" ou antes contribuindo para o meu "melhor" muitas coisas que cá tenho. Hoje.
Beijinho Zé e continuemos a sonhar, pois os sonhos mesmo sem nunca se realizarem, vão enquanto sonhos, alimentando e iluminando a nossa vida, dando-nos força e coragem no dia a dia. Que nunca deixemos de sonhar.
Olá, eu sou o Nelson de quem se fala neste texto e na minha simplicidade, vou dizer algumas palavras...
...o emprego estava dificil, separei-me da mulher que amava, aos 35 anos vivia com os meus pais, foi muita coisa junta... Sentia-me cheio de energia, com uma vontade de viver brutal... resolvi trabalhar como vendedor, e em Novembro de 2010 ganho 2700€ liquidos (com todos os descontos feitos), foi o maior ordenado de sempre. Mas queria mais, queria realizar um dos maiores sonhos da minha vida, queria-me realizar na plenitude, e cada vez que penso assim a minha alma salta de alegria, rejuvenesço, sinto a minha alma a dizer dentro de mim: "sim sim, faz isso que me alegras!". Realizar sonhos é tão bom...e vai daí e vim até à Noruega de bicicleta, onde já estou a trabalhar, aliás, tenho 2 trabalhos, e já vivo sozinho num pequeno apartamento. Aqui não há crise, e este país deu-me oportunidade de ter uma boa autonomia financeira e de viver sozinho, e de continuar a sonhar, porque os Noruegueses são das pessoas que mais viajam no mundo, e eu quero ser como eles.
Entretanto voltei a sonhar com outras coisas... por isso comprei skis para fazer Esqui Alpino... descer montanhas a grande velocidade... e a vida é isto mesmo: lutar... sonhar para concretizar, mesmo que sejam pequenos sonhos, mas realizá-los (não apensa sonhar), e lutar pelos nossos ideais, pelas coisas que gostamos e acreditamos, não nos deixar-mos ao abandono, não morrer devagarinho, estimular-mo-nos, cuidar de nós! Nunca nos deixar-mos influenciar demais pelo que os outros desejam que seja a nossa vida. São vidas... e quem poderá dizer que a sua é melhor que a do outro?! São vidas...cada pessoa é um mundo diferente. É sempre necessário vivermos com encanto... senão repare-se. Temos olhos, que bom, quantas pessoas não vêem. Temos pernas, é tão bom andar... e por aí adiante, gestos simples que em cada dia, e despertos(!) para estas pequenas coisas, sorrimos para a vida.
Cumprimentos a todos,
Nelson
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