Levantei-me cedo no único dia inteiro para visitar Berlim ( no dia seguinte partiria a meio da tarde). A manhã estava tão gelada como a noite anterior e o nevoeiro persistia, mas agora esburacado por um sol que se afirmava radioso. Tinha ficado na zona de Mitte, a dois passos da Alexander Platz, local de muito comércio e onde não seria difícil encontrar uma loja de aluguer de bicicletas ( "Mitte", curiosamente o mesmo sítio onde moravam os ficcionados protagonistas de um dos meus filmes preferidos - Goobye Lenin). As lojas só abriam às 10h e por isso tive de esperar dando umas voltas pela zona. Perto, um grupo de jovens "punks" tomava o "pequeno-almoço" de vodka em algazarra e um pouco mais à frente, num local do passeio coberto de velas, flores, recortes de jornais e fotografias, assinalava-se o local onde um jovem tailandês tinha sido assassinado meses antes por neo-nazis. Lembrei-me que estava talvez na zona da cidade onde 60 anos antes os combates entre os russos e o exército nazi teriam sido dos mais encarniçados e mortíferos da "Batalha de Berlim". O resultado do delírio hitleriano, foi só na cidade, a morte de mais de 600.000 pessoas, a maioria de origem alemã. Os demónios pelos vistos continuavam à solta e muitos ainda impunes.
Foi numa loja gerida simpaticamente por uma segunda geração de imigrantes turcos que aluguei uma "pasteleira" por 11€ com uma caução de 20€ a devolver aquando da entrega. A partir daí dei início à exploração da cidade, começando pela famosa e movimentada "Unter der Linden", onde tive de contornar as muitas obras ( Berlim é por estes dias um estaleiro que beneficia de um crédito baixo concedido à Alemanha) e autocarros de turismo. Toda a área circundante é designada pela "Cidade dos Museus", laboriosamente reconstruidos após a segunda guerra pelo antigo poder comunista antes da queda do muro ( curioso não é?!). Na zona encontram-se ainda muitas Universidades, bibliotecas e sobretudo "monumentos memória" dos quais destaco a céu aberto o do Holocausto, uma vasta topografia fúnebre dos 6 milhões de judeus assassinados pelo regime nazi! Dou mais à frente uma rápida vista de olhos ao Checkpoint Charlie que está cheio de turistas americanos, canadianos e franceses e retorno para atravessar as bonitas Portas de Bradenburgo e visitar o antigo "Reichstag", agora transformado no novo parlamento de uma Alemanha unificada que jura democracia ( mas onde pelos vistos alguns continuam a fazer figas a esta). Embrenho-me no lindíssimo e extenso Grober Tiergarten fascinado pelo largos e tranquilos caminhos, lagos e sobretudo pelas tonalidades castanho dourado das árvores no Outono berlinense. Perco-me ai por instantes, sinto-me um pássaro longe de casa, mas muito feliz. Nas imediações há também bonitos monumentos da época prussiana, os que se reconstruiram, outros foram irremediavelmente perdidos nos bombardeamentos.
Certamente com bastantes quilómetros nas pernas, apercebo-me que metade do dia já tinha passado ( sabia que iria anoitecer por volta das 16h30). Esqueço a conhecida Kufurstendamm, centro da "Berlim Ocidental" e por onde tantas vezes li que a Christiane F. deambulou entre artistas e os seus companheiros do vício da heroína e volto para trás ao longo do Rio Spree para a zona Oriental da cidade. Descubro um antigo cemitério militar cortado por uma das secções do antigo "Muro de Berlim", e onde na tarde solarenga algumas crianças brincavam tranquilamente. Pedalo por zonas industriais abandonadas que ostentam antigas marcas alemãs que lembro ver em Portugal na minha infância ( a Telefunken uma delas), igrejas protestantes, prédios de aspecto "social" e "terras de ninguém" que impunham o "vazio entre "berlinenses democráticos" e "federais". Detenho-me numa das zonas mais simbólicas do antigo "muro", a Bernauer Strasse e o Mauer Park e nos muitos testemunhos ao ar livre ( torres de vigia, grandes partes do muro, centros documentais, monumento às vítimas do muro, etc). Observo que anoitece ( neste época do ano, demasiado depressa), tenho de entregar a bicicleta.
Berlim é uma cidade monumental que merece muitas visitas. A próxima espero que acompanhado, satisfazendo a necessidade de poder trocar impressões, aqui é necessário, de preferência com alguém que esteja identificado com a história da cidade. Em Berlim a bicicleta não é rainha como em Amesterdão, mas permite viajar por toda a cidade, isto apesar de uma boa rede de transportes públicos. Não tendo muitas ciclovias é bastante ciclável, pois existem muitos espaços que o permitem, evitando as largas e movimentadas avenidas. Em Berlim destaca-se sobretudo o que resultou da da 2ª Grande Guerra ( muito visível nos estilhaços que muitos edifícios ainda ostentam) e as suas consequências, como a divisão da cidade, separando os seus habitantes por um muro de mais 100km de extensão. Mas apesar desse passado ser lembrado em cada esquina, (re) nasce agora uma Berlim grandiosa com muitos edifícios de uma bonita arquitectura modernista.
Entrego a bicicleta e procuro jantar, por cima de mim os mesmos corvos e a sua desgraçada sinfonia. Ataco na estação de comboios, uma sopa vietnamita insípida, mas quente que me recupera do frio que já vou sentindo e bebo mais uma saborosa "Berliner". Sinto-me bem na cosmopolita Berlim!
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