Ponho a minha filha no programa de férias, é o último dia, será "cheio" de actividades e despedidas sentidas. Para mim também será o último dia antes das férias em família, tenho de aproveitar a "liberdade". Penso em dar uma volta de BTT, ultimamente tirando as deslocações para o trabalho, pouco o tenho feito. Planeio ir até à estação fluvial que liga Lisboa ao Barreiro e ai apanhar o barco, depois rumar até à Arrábida em trilhos que já conheço e se possível, regressar a tempo de almoçar com os meus pais, esticar-me ao comprido a ler o "Al-Gharb 1146" mais o "Kaufmann" ( um dos meus sociólogos preferidos), uma dose mínima de Facebook contra o desperdício de tempo e ir buscar a catraia ao fim da tarde, um dia quase "perfeito"!
O tempo está fresco mas o dia está solarengo, luminoso, perfeito para andar de bicicleta. Encho a mochila com a indispensável: "câmara de ar", kit de ferramentas, bomba, alguma comida, documentos, telemóvel e o indispensável dinheiro para cafés e cervejolas. Ignoro na "bagagem" a máquina fotográfica, a paisagem ficará assim "retratada" na mente e espero também na dos que lerão esta mensagem, a imaginação também precisa de exercício.
Saio de casa, Calçada da Ajuda a baixo evitando as partes mais irregulares de um piso antigo em pedra. Junto à Presidência da República contorno um buraco já "cartografado" há muito e lá vou eu feliz da vida até à ponte metálica que liga a Avenida da Índia à Avenida de Brasília. Detenho-me junto à estação de Belém assaltando-me a curiosidade de ver os horários dos barcos Belém-Trafaria. O barco saí daí a 20 minutos, fico à espera dele enquanto revejo o programa inicial, a volta será outra, vou improvisá-la.
Na estação não estão mais de 10 pessoas, surpreende-me que sejam tão poucas, este é o transporte ideal para as praias da Costa da Caparica, sobretudo para quem quer evitar as confusões do trânsito automóvel nesta altura do ano, além disso é mais barato, evita portagens e estacionamento pago, é mais ecológico e podemos transportar a bicicleta " à borlix". Com este "público", um dia destes o trajecto não será mais "viável", a "economia de mercado" que cada vez mais ignora a "economia humana", triunfará mais uma vez.
Chego à Trafaria, terra de pescadores e dos chamados "torrões", bairros de construção ilegal, casas de férias dos lisboetas menos abastados, a maioria oriunda dos "bairros típicos" da capital. Bebo ai um café antes de seguir pela ciclovia que me levará à Costa da Caparica. "Ciclovia à portuguesa" diga-se, construída em cima do passeio, sempre pejada de "passeantes" ou de carros estacionados e com passeios não rebaixados nos atravessamentos. Continua a ser difícil reivindicar espaço para as bicicletas à soberania automóvel, os autarcas não cometem esse "sacrilégio", mesmo que as vias tenham seis faixas, como em Lisboa e se circule a velocidades de autoestrada, contornando perigosamente peões e ciclistas, com as consequências que todos sabemos.
Em 15 minutos estou no paredão da "costa", se quisesse molhar os pés e esticar-me ao sol, já lá estava, foi rápido. Porque raio não vejo mais pessoas fazer isto?! No barco só vi um jovem de bicicleta, é pouco. Sou pouco dado a "generalizações" acerca do comportamento humano, mesmo o que se desenha como "colectivo", há sempre mais que uma variável que o explica, depende do contexto, do espaço, dos actores que nele intervêm e de muitas outras coisas que não vem agora a propósito, mas este preocupante desinteresse por uma certa "ecologia social", advém de um défice "educativo" e cívico que parece atravessar gerações de portugueses, isto apesar de termos mudado a sociedade para melhor nos anos recentes, a velocidade dessa mudança foi (é) demasiado lenta. As consequências estão à vista e sentem-se na "pele de todos.
Esqueçamos isso por momentos senão corro o risco de deixar de ter leitores. Pedalar é pois um dos actos mais libertários que conheço. Estou portanto no paredão da Costa da Caparica, renovado por um inconsequente "programa pólis" e há mulheres bonitas a correr com o mar em fundo, sinto-me próximo do paraíso, mas ainda não cheguei lá! A propósito disto, houve uma saudável explosão da prática desportiva no feminino, sobretudo da corrida nos últimos tempos, sinal de melhoria dos estilos de vida, também moda e uma clara e positiva afirmação do género. Bem, sei lá se é isso, o que sei é que é bom e fico com a ideia de que vivo numa sociedade mais plural, sou dos poucos "selvagens" que resta, ou me adapto ou morro
Tenho agora um areal a perder de vista da Costa da Caparica até à boca da Lagoa de Albufeira que com a maré vazia parece ciclável, até onde não sei, vou "experimentá-lo" ( continua)
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