Na noite calma,
a poesia da Serra adormecida
vem recolher-se em mim.
E o combate magnífico da Cor,
que eu vi de dia,
e o casamento do cheiro a maresia
com o perfume agreste do alecrim;
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castiga
passam a dar-se em mim.
E todo eu me alevanto e todo eu ardo.
Chego a julgar a Arrábida por Mãe,
quando não serei mais que seu bastardo.
Sebastião da Gama ( O poeta da Arrábida)
in: Serra Mãe
Por vezes penso: " o que me faz gostar tanto de ti"? Será o teu sensual dorso branco de calcário? Será o teu colo a cheirar a perfumes silvestres? Será a forma como sensualmente mergulhas o corpo no mar? Não sei! Observo-te da minha janela todos os dias, enquanto tu brincas distraída com o sol e a chuva e usas chapéus de nuvens. Um dia, já lá vão alguns anos, fui ter contigo durante a Primavera, era eu jovem curioso, pueril e insignificante, tu, uma bela e imensa fêmea, milenar e fecunda. Fascinado, acariciei-te meigamente a terra, e tu quem sabe, se maternalmente, ou deleitada com a doçura do gesto, olhaste-me com um olhar tão vivo, tão doce, tão apaixonado, que eu disfarçando o embaraço com ares de macho impetuoso perguntei-te: " queres namorar comigo para sempre"? Tu muda de voz mas grávida sentidos, rebolaste comigo entre alecrins, estevas, urzes, aroeiras, zambujeiros e murtas celebrando uma união que desde então nos torna inseparáveis, mesmo quando viajo por outras serras igualmente belas, tu és a mais bela delas todas e eu tenho sempre muitas saudades tuas.
Um destes dias saí mais uma vez para ir ao teu encontro. Desta vez de mochila às costas uns "batons" novinhos em folha, farpela de caminhada e sapatinho a condizer para a ocasião. Estacionei o carro em Palmela, sítio onde tu permitiste há muito tempo que os Homens te povoassem os flancos e onde por vaidade talvez, também deixaste que construíssem um castelo para que te pudessem admirar, só que traiçoeiramente afinal dali apenas veneram aquilo que construíram avidamente para si com a pedra arrancada das tuas entranhas, numa cupidez excessiva que te devora lentamente. Ah se tu ao menos cuspisses fogo e expulsasses estes seres malévolos! Mas não, submissa ficas e generosa vais morrendo...
Dizia, hoje decidi subir lentamente por um dos teus braços: a Serra do Louro. Lá cima encontro os moinhos com os mastros nus abertos, outrora cobertos de pano e à bolina dos ventos serranos amigos do pão e inimigos da fome. Mais acima ainda o " Castro de Chibanes" da idade em que os Homens amavam "deuses essenciais" como tu e que por compaixão tu abrigavas nas tuas rochas, sabendo quão frágeis eram aos elementos e a si próprios ( e continuam a sê-lo). Chego ao cume e observo toda a vastidão da terra irmã que se perde no infinito da curva do meu olhar. Sinto a tua altivez nos pequenos dos detalhes lá em baixo, oiço os sons que chegam em forma de eco parecendo como os de um sonho. Agora cheira a uvas acabadas de colher nas plantas que ajudaste a nascer, transformadas por amor dos Homens à transcendência, primeiro em mosto, depois em vinho. Tudo isto faz-me encher o peito de ar para inesperadamente ser tomado por uma sensação de liberdade quase opressora e sentir-me momentaneamente perdido nesta realidade excessiva, bela, única, funda, carnal, primordial e de onde eu por medo e cobardia fujo para regressar a uma cidade onde por companhia tenho o inútil.
Fugimos sempre da verdade, fugimos sempre Amor...Mas a ti por mais que doa os sentidos, regressarei sempre.
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Posted by Zen to O Homem da Maratona at 9/14/2006 08:34:00 AM
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